Tem sido grande a polémica
em torno dos interesses que se movem, à escala global, pelo controlo das sementes.
Há multinacionais a deterem patentes que restringem o uso da semente própria
pelos agricultores. E se é certo que os protestos mais recentes levaram o
Parlamento Europeu a travar a aplicação de uma lei que, pura e simplesmente,
ilegalizava a troca e comercialização das
sementes tradicionais pelos agricultores, também é certo que a luta não está
ganha: com as patentes e outros direitos de “propriedade intelectual” nas suas mãos,
as poderosas corporações podem, em qualquer momento, alegar uma “concorrência
desleal” pelo uso e troca das sementes tradicionais dos agricultores e
impedi-los assim de prosseguirem uma prática milenar no cultivo dos seus
campos. Empenhadas em padronizar o paladar
à escala global para melhor venderem os seus produtos, estão-se “nas tintas”
para as realidades culturais que os seus interesses afrontam. Nos
últimos 100 anos, desapareceram mais de 90% de variedades de sementes da Terra,
o que empobreceu a diversidade da alimentação humana, cada vez mais refém de
variedades manipuladas visando maior rendimento. Entretanto,
o país rural português possui cerca de duas mil variedades de sementes. Há que
zelar pela sua salvaguarda. As
sementes são parte do património cultural, histórico e alimentar de um povo. A
parábola bíblica alegoriza-as como arquétipo da vida: se plantarmos hoje a boa
semente, amanhã colheremos saúde, amor, abundância e paz.
Mas esta parábola conduz-nos também, de novo, às grandes ameaças que
pairam sobre a sobrevivência da nossa floresta autóctone. Dada a grande
extensão de áreas consumidas pelos incêndios, muitas espécies autóctones estão
a desaparecer. E, para que num futuro plano de reflorestação se possam
recuperar as espécies perdidas, lá voltamos à questão das sementes. O
mostajeiro, por exemplo, uma espécie outrora muito usada para madeira e
artesanato e cujo fruto as populações aproveitavam para uma excelente compota,
está hoje limitado a duas únicas árvores conhecidas em Portugal, diz-nos um especialista
da UTAD. Por isso, há que recuperar e proteger num banco de sementes as espécies
que estão em risco efetivo. Sem a biodiversidade ativa, estará em
causa a qualidade de vida nos territórios, sendo que a qualidade das sementes é
um dos importantes aspetos a ter em conta em qualquer programa de arborização.
E daí que proteger os recursos genéticos e promover a arborização de espécies
autóctones, seja também uma forma de proteger o futuro.
AP