Quando leio as propostas legislativas dos
governos (do anterior e agora deste) sobre o acesso dos cidadãos às pensões de
reforma, vem-me sempre à lembrança o meu avô, um velho agricultor do Douro,
desses que construíram, arduamente, os socalcos que formam a paisagem vinhateira,
hoje Património Mundial.
Meu avô morreu quando sachava um talhão
de cebolo. Ao fim da tarde de mais um dia de luta com a terra, a mesma com quem
viveu uma paixão fatal, torturada em anos infindos, sentou-se na orla do geio e
ali se ficou, com a sachola ao seu lado. Ali o fui encontrar, sereno,
conformado com a sua derrota nesse combate desigual, inglório, com a terra.
Como quem entrega, resignado, o seu último reduto a quem o escravizou a vida
inteira.
Trabalhou, por isso, até ao último dia,
até ao último minuto, até ao último instante de vida. Mas sempre achei que se
tratou de uma situação absolutamente excecional. Até porque este Homem era
também excecional. Mas não. Cada vez mais, vejo pessoas idosas, frágeis,
arrastando-se penosamente nos empregos a sonhar com o oásis de uma aposentação
eternamente longínqua, o que me traz sempre à lembrança aquela madrasta terra
que sugou até às entranhas os derradeiros frémitos de energia do meu avô.
E quando leio que um cidadão, atingindo
60 anos de idade, poderá aposentar-se sem penalização, mas para isso deverá ter
mais de 48 anos de descontos, fico espantado com a ousadia destes engodos. Só
quem vive fora da realidade pode acreditar na bondade de tais promessas. São rebuçados
de pedra, que não sabem a nada. Um cidadão para beneficiar de tal medida deveria
ter começado a trabalhar e a descontar aos 12 anos. Em criança, portanto. E que
descontos uma criança faria então?
Quem conhece e recorda a realidade desse
tempo, sobretudo dos meios rurais, sabe bem que, dos 30 ou 40 miúdos que
terminavam a 4ª classe, só meia dúzia, ou menos, prosseguia os estudos. Os
restantes começavam logo a trabalhar. Nenhum ficava sem ocupação, pelo menos
até serem chamados para a vida militar. Havia trabalho à espera nas quintas, nos
montes, nas hortas, nos pomares, no pastoreio… Produziam riqueza, criavam
hábitos de trabalho, disciplina, respeito. Mas que descontos faziam tais
miúdos, para que hoje, 48 anos depois, possam usufruir dessa putativa reforma?
AP
in JORNAL DE NOTÍCIAS, 19-5-2017