Convidado há alguns dias
por um agrupamento de escolas da região do Douro para falar com jovens sobre a
literatura e os escritores durienses, fiquei estupefacto com o desconhecimento
generalizado sobre os nomes e a obra dos grandes autores que desenharam em
palavras e cantaram em versos a paisagem humana e física deste território, projetando-a
para lá das fronteiras regionais e nacionais. Miguel Torga, João de Araújo
Correia, João de Lemos, Guerra Junqueiro, Domingos Monteiro, Trindade Coelho,
Guedes de Amorim, António Cabral, Luísa Dacosta, todos eles figuras emblemáticas
e grandes embaixadores literários do Douro, são nomes (tirando o primeiro e o
segundo nas escolas de que são patronos) completamente desconhecidos dos jovens
de hoje.
Mas já não é só
inquietante constatar a desvalorização da prática da leitura como instrumento
de formação pessoal destes jovens; inquietante é também perceber a total
indiferença em relação aos fatores culturais identitários que ligam os escritores
ao território, aos espaços mágicos da paisagem enquanto fonte ativa de cultura
e por isso fortemente inspiradores para os atos criativos.
Quem deveria fazer algo
para afrontar esta realidade, ajudando a promover a leitura dos autores nas escolas
e nas famílias, enriquecendo as bibliotecas escolares e fomentando parcerias
dinâmicas com elas, patrocinando a reedição de obras fundamentais…, em vez
disso, continua a ocupar-se em eventos efémeros, tertúlias de capela com os
mesmos a debaterem sempre o mesmo, em formatos gastos e improdutivos. A cultura
que se vê programar continua voltada para eventos de dimensão ilusória, mas que
consomem rios de dinheiro, sem garantirem dinâmicas duradouras e enraizadas nas
comunidades. Geralmente efémeros, deles nem sequer é possível monitorar os
efeitos reais que produzem, e muito menos em termos de sustentabilidade
económica. Valem pela congregação de interesses que mobilizam e pela agitação momentânea
que provocam pontuada numa simulada agitação mediática, mas esgotam-se na sua
própria efemeridade. São um bluff, portanto.
Enquanto isto, continuamos
a ver os nossos adolescentes, gravitando nos caprichos do vento, rendidos a uma
certa “poesia” vomitada nos palcos, capazes de fazer coro com um excêntrico
músico da onda rap (a entoar “deixa-te de merdas” ou “gosto do teu rabo / principalmente
quando ele mexe / e a minha cresce”…), mas incapazes de recitar um verso de
Torga.
(ap)
in Jornal de Notícias de 26-5-2017