(foto de Luís Borges)
As manifestações mais tradicionais do
Carnaval em Trás-os-Montes continuam a ser designadas por Entrudo e inserem-se
nas celebrações rituais do ciclo do inverno com origens que nos levam até à
Roma antiga. Nesta região é onde encontramos as marcas mais originais dessas
celebrações, em especial nos ritos protagonizados pelos caretos de Podence,
Ousilhão, Baçal, Varge, Vilas Boas, Salsas, entre outros. Mas também nas
máscaras de Lazarim, no julgamento do entrudo de Santulhão, o julgamento do Salomão
em Armamar, as queimas do entrudo de Paradinha Nova, Pinela, Carrazedo e muitas
outras manifestações.
A figura dos caretos, tal como os vemos
nestes rituais, personificam seres sobrenaturais, herdeiros dos deuses
diabólicos venerados na antiga Roma desde o império de Júlio César. A
fisionomia dos caretos transmontanos, com as suas máscaras demoníacas, impondo
um misto de terror e diversão, apresenta evidentes semelhanças com as
divindades das festas Lupercais romanas que eram celebradas nesta mesma altura
do ano em honra do deus Pã, este também representado com aspeto diabolizado,
corpo peludo e cornadura de bode, perseguindo e aterrorizando as pessoas nas
ruas. Repare-se como vemos estes cenários reproduzidos nos nossos caretos,
quando perseguem e chicoteiam especialmente as moças, assustando-as nas ruas
com os seus chocalhos à cintura que movimentam em gestos eróticos.
Nos entrudos tradicionais, há
celebrações que variam nos seus ritos e expressões conforme as localidades,
isto porque representam também origens diferentes. Neste mesmo período do ano faziam-se
também na antiguidade as festas ao deus Saturno, deus da Agricultura. Eram
conhecidas como Saturnais Romanas, ou Saturnálias. Nelas era permitido que o
poder dos senhores passasse provisoriamente para os escravos, ou seja aqueles
que faziam produzir os campos. Era, pois, um tempo de inversão, prazer e
exagero, em que os escravos passavam a ser livres, nas palavras e nas ações,
podendo expor publicamente os seus senhores, criticando-os e pregando-lhes
partidas. É o que vemos também hoje em muitos carnavais, com os poderosos,
sejam eles os políticos, dirigentes desportivos e outros, a serem caricaturados
nos cortejos ou no espaço público das vilas e aldeias.
Estas celebrações têm uma evidente
origem pagã, contudo, com o tempo, o cristianismo apropriou-se delas. Repare-se
como a palavra “entrudo” procede do latim “introitus” que significa entrada.
Entrada em quê? Entrada na Quaresma, que se traduz num tempo de recolhimento,
reflexão, penitência, para curar na alma os pecados que os prazeres do corpo
trouxeram dos três dias de excessos anteriores. A Quarta Feira de Cinzas tem,
por isso, uma simbologia enorme. Após os três dias de pecado, há que queimar o
que resta. Vejam-se os julgamentos, as queimas do entrudo, dos bonecos de Paradinha
e Carrazedo, o julgamento de Salomão e a queima do santo entrudo em Armamar (na
vizinha Galiza há a “queima do Filipe”). Daí as cinzas. Após as cinzas,
constrói-se um tempo novo, o tempo primaveril, sempre mais esperançoso do que o
inverno que ficou para trás.
AP