Iniciei a profissão de
jornalista na verdura da década de 80 do século passado. Tempos inesquecíveis.
De lavrador de terras, condição que trago no ADN, tornei-me então lavrador de
palavras, livre como o vento, apenas manietado pelo aprumo dos velhos
“linguados”. E pelos rigores da ética, pois claro. Em Trás-os-Montes, meu berço
e meu regaço, percorri todos os recantos na busca das melhores histórias. Umas
vezes tristes, dramáticas; outras alegres, vitoriosas. Histórias que se impunha
converter em reportagens vivas e proativas. E assim fui desbravando léguas e
léguas de silêncios como quem rasga a textura densa de uma floresta virgem.
Eram tempos em que o jornalismo tinha sempre o encanto da novidade, e,
sobretudo, o romantismo das causas solidárias. Tempos em que levar a “carta a
Garcia” era, antes que tudo, assinar um contrato com o desconhecido, com o
imprevisível. Tempos em que o jornalismo em Trás-os-Montes era, ele mesmo, a
novidade. A notícia.
Partilhei
esses momentos com autênticos e generosos “cabouqueiros” da imprensa regional e
companheiros da grande imprensa descentralizada: César Sampaio, José Pires de
Moura (da Foto Márius), Orlando Inocentes, Mesquita Guimarães (mestre
Guimarães), Zé Macário (pai e filho), Sílvio Teixeira, Barroso da Fonte, Bento
da Cruz, Inocêncio Pereira, João Sampaio, Figueiredo Sarmento, JBCésar (o “Jim”
para os amigos), João Luís Teixeira (antes de “subir” a presidente da câmara de
Murça), Coronel Xico Costa (jornalista quase até aos 100), Chico Rocha, Pe.
Cardoso, Armando Miro, Agostinho Chaves, Fernando Calado, César Urbino, Guedes
de Almeida, Fernando Subtil, Rogério Reis, Fernandes Pinto, Jaime Ferraz Gabão
na Régua, o professor Júlio Coelho em Lamego, Barros Rodrigues em Chaves, Carlos
Morgado em Vila Pouca de Aguiar e tantos outros.
Eram
então uma espécie de cavaleiros andantes das causas solidárias. Estavam em
todas. Aliás, isso mesmo é o que está no cerne da Imprensa Regional. Os jornais
são uma espécie de tribunais de papel que procuram dar voz a quem não tem voz. Quando
o conturbado período que sucedeu ao 25 de Abril de 1974 for sujeito a uma
análise sociológica rigorosa relativamente ao desempenho da Comunicação Social,
uma análise que só a distância temporal permitirá de forma desapaixonada, poderá
então avaliar-se esta “vocação genética” da Imprensa Regional e o poder
inquebrantável que teve em mãos. Sendo esse um período em que a generalidade
dos meios de Comunicação Social de âmbito nacional foi tomada de assalto pelo
poder emergente da revolução, que passou a sustentá-la economicamente e a
sujeitá-la a vínculos políticos incontornáveis, houve, de facto, uma pequena
franja da imprensa em Portugal que se impôs pela sua irreverência, pelos laços
vigorosos que mantinha com o povo das Regiões, com o país real, pelo que
resultou vencedora a sua odisseia. Era a Imprensa Regional. E merece ser
recordado como no seu seio depressa se instalou um enorme desencanto que tomou
sinais de revolta em relação ao famoso regime do PREC, o qual foi liminarmente
rejeitado pela grande maioria da Imprensa Regional. Assistiu-se no chamado
“Verão quente” de 75, a
uma poderosa campanha nos diversos pontos do país com vista a impedir a
nacionalização da Rádio Renascença, uma campanha que resultou positivamente e
teve, na primeira linha, a presença de uma influente, esclarecida e bem
referenciada Imprensa Regional.
É
certo que vivemos numa época em que a comunicação instantânea e globalizada
ganha um vigor galopante, parecendo por vezes um paradoxo falar-se no ressurgimento
de um regionalismo informativo. Há que ter, no entanto, a perceção de que a
globalização, ao criar a consciência planetária, se, por um lado, comprime a
dimensão do âmbito comunicacional ao aproximar nações e pessoas, por outro,
terá de esbater a rigidez do centralismo dos estados, com a emergência da
diversidade das comunidades locais e regionais. Por isso, numa sociedade
massificada, caracterizada pela dimensão mundial dos acontecimentos, impõe-se a
necessidade de fazer emergir uma corrente revitalizadora do peculiar, do
genuíno, do local ou regional, e com ela despontar uma massa crítica, que possa
ajudar a impor um dos direitos mais profundos: o direito à diferença, o direito
à diversidade.
Atente-se,
contudo, que o despontar desta massa crítica, permitindo a afirmação de uma
vontade esclarecida que ajude as populações a optar, quando se trate de causas
que a ela respeitam, só é possível com uma imprensa regional forte, culta e
coerente. De pouco valerá insistir que a Região vale por ser a reserva cultural
e histórica de um povo, se dentro dela não surgirem impulsos que projetem a sua
personalidade específica, a sua pujança própria. Daí, pois, o contributo
fundamental da Imprensa Regional.
AP